Tocar violão. Descobri bem tarde que meu pai sabia tocar
violão. Já o tinha visto dedilhando um acordeom, mas não sabia que ele manejava
um violão.
Aos poucos
fui descobrindo suas qualidades e habilidades. As habilidades que eu conhecia
nele eram dirigir um trator, arar a terra, cultivá-la, cuidar dos “peões”,
homens contratados por meu avô para cuidar da lavoura e do gado. Sempre foi
cuidadoso no que fazia. Tinha suas mãos calejadas pelas ferramentas que um
homem do campo, como ele, sabia manejar muito bem.
Mas, ele ia
além do que se via. Atrás daquele porte alto, pelo menos p/ mim, magro e embora
não falasse muito, mantinha sempre um sorriso. Seu rosto nunca deixou
transparecer as preocupações de um homem sonhador, fiel aos seus princípios e
compromissado com sua família.
Meu pai sempre foi um homem exemplar.
Ensinou a ler e escrever entre meus quatro e cinco anos de idade. Já
alfabetizada (por ele) lia todas as palavras que via. Com ele conheci os
números, as operações matemáticas. Foi com ele que aprendi o que sei sobre
Deus, Jesus Cristo, Vida Eterna.
Um homem de vida
simples, mas de muita sabedoria. Não precisou surrar os filhos para educá-los.
Era exemplo, era ético. Conduziu-nos com muito amor no caminho do bem. Fez
questão que frequentássemos a escola e mostrou-nos a importância dela. Um
leitor assíduo da Bíblia, amante dos Salmos. Ensinou-nos desde cedo o caminho da
igreja. Caminhava conosco e isso foi fundamental na nossa formação.
Sou a mais
velha dos sete filhos. Conheci dias bons, de fartura e conforto. Mas também
vivi anos de dias difíceis. Os vestidos de “lese” acabaram dando vez aos de
chita, os sapatos de verniz envelheceram dando lugar a chinelos e alpargatas
que eu simplesmente detestava. Os picolés e guaranás dos fins de semana
desapareceram. O conforto de uma casa com ladrilho vermelho e encerado, telhas
de barro e paredes de tábuas ficaram somente na lembrança, pois agora o lar
doce lar era coberto de “tabuinhas”, as paredes de troncos irregulares de
madeira e chão batido.
À noite, era
possível ver o céu salpicado de estrelas pelas frestas da parede. Mas a noite
de lua cheia me assustava. Tinha medo de que com a claridade dela eu visse algo
estranho, como os de muitos “causos” contados pela “peãozada” do sítio do meu
avô, que aproveitava para contar histórias quase numa disputa para ver quem
contava melhor.
Acho que preciso contar que morei no
interior de São Paulo até os seis anos. Com a morte da minha avó e a partilha
dos poucos bens de meu avô meu pai quis aventurar-se no Paraná. Foi aí que morei
na casinha já descrita.
Domingo era dia de ir à igreja. Tinha
a distância de sete quilômetros de casa. Estrada de terra com muita areia. A
Escola Bíblica Dominical começava ao meio dia, por isso, almoçávamos às dez
horas para sairmos às onze. Minha mãe levantava cedo, matava o frango e o
preparava num molho delicioso. Mas, antes de servir meu pai orava. Quase sempre
uma longa oração o que favorecia a prática de algumas traquinagens como pegar a
mistura (sempre o melhor pedaço do frango) um dos outros. Então, já começávamos
a oração com as mãos sobre o prato para cobrir a carne.
Toda essa
adversidade não foi capaz de fazer meu pai deixar de sonhar. Talvez essa pessoa
sonhadora que sou seja herança paterna. Morando no sítio de um tio de meu pai,
foi preciso desmatar e iniciar o cultivo da terra arrendada. Era lavoura de feijão,
algodão, amendoim, milho e café sem contar as hortaliças e a criação de porcos
e galinhas vindos daí a gordura e a carne para nossa alimentação.
Quando falo de adversidade, na
verdade, refiro-me ao fenômeno natural chamada geada. Era sempre assim, solo
preparado, semente plantada e aí vinha ela branquinha, branquinha e acabava com
toda a plantação. Sonhos desmoronados. Recomeço. Assim foi por vários e vários
anos.
Mas tinha uma coisa boa quando geava.
Meu pai dizia: esta noite vai gear. Então eu e meus irmãos colocávamos água
numa vasilha, misturávamos açúcar e deixávamos do lado de fora. Pela manhã
corríamos para chupar o gelo.
Esse começar de novo levou-o a
conhecer Mato Grosso. Queria tentar mais uma vez e, com meu irmão mais velho
(depois de mim) partiu deixando minha mãe com cinco filhos. Levava a esperança
de encontrar boa terra e arranjar uma colocação por lá. Voltaria depois e
levaria a família.
Eu já era casada nessa época e por
isso meu pai não me viu grávida e quando retornou meu primogênito já havia
nascido. Foi muito bom vê-lo de novo, mas era fácil reconhecer de que sua saúde
não estava tão bem e que mais um sonho se desvanecera. Mas, bastou melhorar um
pouco para mais uma nova tentativa de melhorar de vida. Dessa vez, Sumaré,
estado de São Paulo era seu destino e mais uma vez com Adilson, o segundo filho.
Não me recordo exatamente quando vi
meu pai, pela primeira vez tocando um violão. Só lembro-me de como fiquei
fascinada pelo instrumento. Então disse para mim mesmo: um dia tocarei violão.
Poxa Dirce, quanta emoção aqui no seu cantinho, "Meus escritos, meu pai"
ResponderExcluirli quase todo o blog e a sua luta e de sua família com o seu pai.
Seus natais, sua fé, lindo a convivência e o cuidado de vcs com ele.
Que Deus te abençoe e continue com a sua fé firme. bjsss